Então é Natal…

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Natal é uma ótima oportunidade para celebrarmos um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo. A liturgia da Igreja favorece esta experiência profunda da fé. Interessante, também, é o jeito dos evangelistas narrarem o nascimento de Jesus.

Lucas começa assim: “Naqueles dias, saiu um decreto do imperador César Augusto mandando fazer o recenseamento de toda a terra – o primeiro recenseamento, feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se, cada um na sua cidade” (Lc 2,1-3). Com essa moldura, extraída do contexto do Império Romano, Lucas inicia a narrativa do evangelho que meditamos na noite de Natal. O evangelista abre novos horizontes, situando a chegada de Jesus dentro da história de “toda a terra” (Lc 2,1). Desta forma, ele já adianta que a salvação trazida pelo menino Jesus alcança todos os povos e não apenas aos judeus.

Enquanto Lucas supera as fronteiras de Israel, o evangelista Mateus apresenta Jesus como o Messias davídico, no qual se cumprem as profecias do Antigo Testamento. Esse evangelista relaciona os fatos do nascimento e a infância de Jesus com os grandes acontecimentos da história de Israel. O nascimento do Menino em Belém, a perseguição de Herodes, a fuga para o Egito e o massacre dos inocentes estão sintonizados com a história do povo de Deus. É clara a inversão que Mateus tece nos primeiros capítulos de seu evangelho (Mt 1-2). Se no Egito morreram os filhos dos egípcios, aqui morrem os filhos dos judeus. Lá, o povo fugiu da “casa da escravidão”, enquanto que, no evangelho, José leva Maria e o Menino Jesus para o Egito, escapando da perseguição de Herodes. Segundo Mateus, a fé e a adesão a Jesus também superam as fronteiras. Por isso ele narra a visita dos magos vindos do Oriente para encontrar o recém-nascido: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos a sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo” (Mt 2,1-2). Deste modo, Mateus mostra a abertura da Boa Notícia ao mundo pagão e fala da “Galiléia das nações” (Mt 4,15).

O Quarto Evangelho, conhecido pela tradição como o evangelho de João, começa com um hino à Palavra reveladora de Deus. João escreve: “E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). O mistério da encarnação é expressão da bondade de Deus, fiel à sua aliança com a humanidade. A encarnação indica o encontro de Deus com toda a humanidade na pessoa de Jesus Cristo, sua vida, seus conflitos, sua morte e ressurreição. Por isso a celebração do Natal nos conduz ao ponto mais original da espiritualidade cristã, que é o encontro e o seguimento de Deus que assumiu nossa condição humana. Com a encarnação Deus diviniza e humaniza cada ser humano chamado ao Reino. Segundo o evangelho de João, nossa missão é prosseguir, à luz do Espírito Santo, a obra do Verbo feito carne.

Jesus não é o único personagem da história do povo de Deus sobre o qual a Bíblia relata os fatos do início de sua vida. No Antigo Testamento encontramos o relato de outros nascimentos, como o de Isaac, Jacó, Moisés e Samuel.  Em Lucas temos a narrativa do nascimento do precursor João Batista. De modo geral, os nascimentos mencionados nas Escrituras se reduzem à alusão da concepção e à imposição do nome da criança, sem detalhar outros fatos, salientando mais os aspectos teológicos do que os históricos.

A cena do nascimento de Jesus, diferente daquela que mostra o nascimento de João Batista no aconchego da casa sacerdotal de Zacarias, com a presença de familiares e amigos (Lc 1,57-66), é apresentada num abrigo humilde, sobre o qual uma piedosa tradição construiu o presépio, mencionando inclusive a presença de alguns animais, conforme aparece no livro do profeta: “Um boi conhece o seu proprietário, um jumento conhece a manjedoura na casa de seu dono; Israel não conhece, meu povo não compreende” (Is 1,3). Atento às palavras dos profetas, Lucas mostra José, da família de Davi, viajando com Maria para Belém, sua cidade natal, onde devia se apresentar para o recenseamento: “Também José, que era da família e da descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, à cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida” (Lc 2,4-5). O recenseamento era um mecanismo utilizado pelo império para garantir o pagamento de taxas. Tinha também uma finalidade militar visando recrutar homens para o exército, o qual deveria controlar as vastas regiões do império. Belém, cujo nome significa “casa do pão”, foi palco de muitos acontecimentos bíblicos. Foi aí que nasceu o patriarca Benjamim de Raquel a qual morreu no parto (Gn 35,16). Esta aldeia é lugar da vida e da morte, onde o amor supera a dor e faz triunfar a esperança. Mateus recorda o episódio dramático do massacre dos inocentes de Belém, patrocinado pela crueldade de Herodes (Mt 2,18). Belém também é a aldeia onde Davi nasceu e passou toda a sua infância pastoreando o rebanho de seu pai. Foi em Belém que Davi foi ungido rei de todo Israel. Esta é a cidade de José, o esposo de Maria. Todavia, apesar de José ser de Belém, não foram acolhidos adequadamente porque “Não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). Foram para uma gruta transformada em estábulo, onde Maria “deu à luz a seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura”. O gesto materno de Maria, expressa a simplicidade do nascimento do Filho de Deus. Ele recebe a visita dos pastores, avisados pelo anjo: “Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor!” (Lc 2,10ss). Os pastores foram os primeiros a receber a notícia do nascimento do salvador. Eles indicam todas as pessoas humildes e acolhedoras, que vão ao encontro do Menino Deus.

Vamos meditar o Natal repetindo o jeito simples de Maria que “guardava todas essas coisas no coração” (Lc 2,19). A Virgem Mãe nos ensina a observar a ação silenciosa de Deus, a descobrir o sentido dos acontecimentos à luz do Espírito Santo, contemplando o rosto luminoso do recém-nascido deitado na manjedoura. Maria nos convida à experiência com a Trindade Santa, que se manifesta na gruta de Belém e no cotidiano de nossa vida. Feliz Natal e luminoso Ano Novo. Pe. Gilson.

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